A Érica Peçanha havia ficado com pé atrás da tradução (feita em programa de computador) da matéria do LE MOND e pediu pra Rachel Bertol (que fez a mesma) enviar a matéria em português pra gente poder entender o que está registrado no Le Monde.
Ai está......
A literatura chega à favela
de Rachel Bertol
(Tradução da matéria publicada no jornal francês Le Monde em 26 de Maio de 2011)
Todo dia, o jovem Alessandro Buzo, no fim dos anos 1990, pegava o trem que o levava para casa na zona leste de São Paulo, “na pior linha do sistema ferroviário paulistano”. Mas Buzo não viajava sozinho: acompanhava a “turma do último vagão”, lá onde fumavam muita maconha. Um dia, escreveu um texto, datilografo por um amigo e distribuído aos passageiros em cópias xerocadas, sobre as péssimas condições do transporte. No dia seguinte, surpreendeu-se quando vieram elogiá-lo e passaram a lhe cobrar: “Por que não escreve o livro do trem?”. Nascia naquele momento um escritor da periferia, que em 2000 lançou em edição independente, a duras penas, sua obra de estréia com o inevitável título “O trem – Baseado em fatos reais”.
Os anos se passaram e, neste primeiro semestre de 2011, Buzo lançará seu oitavo livro, a coletânea “Do conto à poesia” (Ed. Ponteio). Também integra a antologia “Je suis favela” (AnaCaona Éditions), publicada este ano na França com alguns dos principais autores das periferias brasileiras. Além disso, apresenta um quadro num programa de TV, possui uma livraria especializada em literatura periférica e realiza eventos culturais. Já consegue viver da arte e integra a primeira geração de escritores das periferias. “Eu comecei do nada, mas o jovem na periferia hoje tem exemplos a seguir se quiser ser escritor”, comemora Buzo, de 38 anos. Uma dessas referências é o poeta Sérgio Vaz, que em 2010 festejou os dez anos da Cooperifa, sarau literário que criou na zona sul de São Paulo. O evento inspira outros pelo país.
“A internet contribui, mas foi o hip hop, com o rap e suas letras de protesto e afirmação, que mais estimulou essa literatura”, diz Vaz, que vai lançar este ano um novo livro pela coleção Literatura Periférica, da editora Global. “Não preciso mais publicar meus livros de forma independente, mas não abro mão de vendê-los pessoalmente em saraus. Chego a vender dois mil exemplares assim. É difícil explicar o que está acontecendo nas periferias brasileiras. É como se vivêssemos uma Primavera de Praga. Antes queríamos sair da periferia, agora queremos transformá-la”, declara o poeta, que realiza atividades da Cooperifa também em colégios.
O pesquisador Ecio Salles, consultor da coleção Tramas Urbanas, da editora Aeroplano, voltada para a produção periférica, associa a emergência dessas expressões à mobilidade social brasileira na década passada, quando milhões de pobres foram integrados às classes médias. “São movimentos coincidentes não só no tempo, mas na forma de se colocar no mundo. É fundamental para quem trabalha com cultura, especialmente na esfera pública, disputar esse nicho com o mercado. A massa de pessoas que sai da pobreza não pode ser apenas presa do consumo”, afirma Salles.
Assim como a Cooperifa, que adquiriu dimensão de movimento sócio-cultural, há outros com essa característica, como o Projeto Literatura no Brasil, fundado pelo escritor Sacolinha, e o 1DASUL, liderado por Ferréz, autor de livros como “Manual prático do ódio”, lançado pela Objetiva, uma das principais editoras do país. “Os escritores são engajados, da mesma forma que a sua produção, ao retratar a violência e as experiências de sujeitos tidos como marginais ou marginalizados. Grande parte desses textos traz a marca do protesto, muitas vezes em detrimento da elaboração literária, pois havia urgência em dar voz à periferia, a seus moradores-personagens, suas linguagens e temas. Nesses escritos, há uma voz ao mesmo tempo autoral e coletiva”, afirma Érica Peçanha, autora de “Vozes marginais da literatura” (Ed. Aeroplano), baseado em sua tese de mestrado.
“Cidade de Deus” (Ed. Companhia das Letras), romance que Paulo Lins escreveu incentivado por seus professores universitários, teria sido o primeiro a trazer uma visão interna da favela. Adaptado para o cinema em 2002, a obra se tornou um marco. “Para muitos é uma referência, mas o que se vê hoje inevitavelmente ocorreria”, comenta Paulo Lins, que cresceu nesta favela de Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. “A favela sempre teve grupo de teatro, dança e música, embora faltasse a literatura. Agora, aconteceu”.
sábado, 28 de maio de 2011
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