Prestes a promover uma série de lançamentos do seu primeiro livro em São Paulo, o escritor e militante Nelson Maca concede entrevista exclusiva para Alessandro Buzo, confira....
Fotos: Léo Ornelas
Alessandro Buzo: Nos fale do seu primeiro livro, Gramática da Ira ?
Nelson Maca: Gosto de falar, primeiramente, duas coisas: é um livro assumidamente de Literatura Negra e tem uma produção independente. Na verdade, comunitária. Tive a preocupação de fazer dele uma extensão de minha própria vida, porém buscando uma estética, ou seja, ter beleza na escrita. É independente no sentido de que não contou com dinheiro ou apoio material governamental nem patrocínio de empresas privadas. Alguns amigos estão apoiando voluntariamente agora. Bancamos o livro e, com ele, estamos lançando também nosso selo, o Blackitude. São poemas feitos entre 1999 e 2008. Apenas dois são posteriores. A diagramação e arte são do meu amigo Welon Santos, Penga. Utilizamos, na capa e na orelha, fotos de outro grande parceiro, o Leo Ornelas. Do estabelecimento do texto final, cuidei juntamente com minha esposa, Ana Cristina Pereira. Além dessa aliança de base, tive a honra de contar com o prefácio de meu Grande Mestre Carlos Moore, a apresentação de minha irmã Graça Gonçalves, além de ter, nas orelhas, trechos dos escritores Alejandro Reyes e Marcelino Freire, e também do rapper GOG.
Buzo: Quais foram as maiores dificuldades ou obstáculos pra publicar ?
Nelson Maca: A primeira dificuldade foi escrevê-lo, porém isso é prazeroso, né! Toda a preparação dos originais exige muita disciplina, um errinho é fatal. Eu tava com o projeto do livro pronto desde 2008, quando considerei fechados os poemas. Meu primeiro passo mais efetivo para uma publicação foi em São Paulo, pela Global Editora, na Coleção Literatura Periférica. Mas, graças a Oxalá, essa negociação não avançou. Depois vieram mais dois convites de editoras de médio porte, e nada! Finalmente estava mais convicto – eu já estava antes - de que podemos ser independentes. Sempre gostei do lema “faça você mesmo!” (do it yourself!). Resumindo, a primeira dificuldade é ter, de fato, um livro bem escrito em mãos. Só o leitor crítico poderá confirmar se meu livro é válido ou não nesse quesito. A segunda dificuldade é dinheiro: sem dinheiro, fica tudo mais lento, mais difícil. Mas driblamos bem tudo isso, com calma, sem pressa! Hoje, só não temos a gráfica... mas sonhamos ter!
Buzo: Verdade que recusou algumas editoras ? Senão já teria publicado antes ?
Nelson Maca: Sim, é verdade! Já citei a Global acima, porque foi público e notório. O mais difícil foi recusar editoras alternativas ou de amigos, mas aí eu já tava convicto de que queria estar solto e, mais, ter nosso próprio selo. Essa insistência no selo foi também para entrar no processo editorial local. Em Salvador, por onde circulo, geralmente pelas quebradas, tem muita gente lendo, declamando, escrevendo. Mas temos poucas edições alternativas de livros. Geralmente, quando aparece, trata-se de “edições do autor”. Quero muito mediar a edição de novos autores da Bahia.
Buzo: O que pretende de retorno do livro ?
Nelson Maca: Primeiramente, que ele se pague. Depois, que tenha alguma importância para seus leitores. Queria que a Gramática da Ira trouxesse um pouco de inquietação. Na verdade, que instaurasse alguns conflitos. Queria, com meu livro, não somente como um projeto literário, mas igualmente um programa de lutas. Então, quando ele desagradar, também ficarei satisfeito. Todo o livro, na verdade, fala de mim: infância, juventude, maturidade... alienação, revolta, tomada de consciência! A “alma” comum dos poemas é a Negritude, sem tréguas. Então, minha maior pretensão é sondar nossos estágios corporais e subjetivos. Tentar expressar como é transitar numa sociedade estruturalmente racista na condição de pele preta, mas também falar de nosso cotidiano mental, espiritual. Ou seja, o que se passa em nossa cabeça, nos nossos diversos estágios físicos e mentais, quando somos alvo de tanta brutalidade, concreta e simbólica.
Buzo: Como é lançar independente ?
Nelson Maca: Uma alegria, um sentimento de força e uma sensação incrível de liberdade. É bom poder gerenciar a caminhada de nossos livros! Estabelecer o preço, negociar condições, definir agendas, etc e tal. O que pesa mais é cobrir as despesas, porque, aceitando ou não, isso deixa muito evidente para nós que o livro é também um “produto”, e, como tal, tem um custo para estar na praça (alto para nossas condições); e terá outro para ter continuidade. Idem para o selo. Mas, ainda assim, sei que a sensação que sinto no momento, de independência, é única e nunca esquecerei. Sim, nós somos leitores, escritores e editores. E, sim, nós também podemos ser os chefes de nós mesmos! Tô curtindo isso a milhão, mesmo sabendo que já tá chegando a data de cobrir o cheque e ainda preciso vender uma pá de livros, para sair do vermelho! rsrsrs
Buzo: Você tem lançamentos agendados em alguns estados do Brasil, fale a respeito e como viabiliza essas viagens ?
Nelson Maca: Normalmente, nossa estratégia é aproveitar as passagens de outros eventos, que bancam nossa ida, e esticar a temporada, para poder fazer nossa caminhada ao lado do nosso povo. Aí é daquele jeito: hospedagem solidária, busão, prato feito, etc. Por exemplo, é assim que caminharei por saraus e projetos alternativos de São Paulo, entre 22 e 28 de junho. Às vezes, mesmo em eventos nas periferias, ou com grupo que não tem receita própria, as pessoas se juntam e providenciam algum apoio ou então fazem o que chamamos aqui na Bahia de “intéra”, isto é, uma “vaquinha”. Por exemplo, estarei no início de junho em Brasília - depois, em julho, no Rio de Janeiro - desta maneira. Posso, ainda, eu mesmo comprar minhas passagens quando estou em condições e acho importante estar nos lugares. Nos últimos anos, tenho sido bastante convidado para feiras de livro, bienais, festas, etc, e também para palestras, mesas, seminários. Espero que isso continue em 2015, para, com essas viagens, eu poder estender minha caminhada para os lugares que me queiram presente, mas que nem eles nem eu possamos bancar, materialmente, minha ida. Sobre agenda para eventos de lançamentos, ou que preveem assinatura do livro Gramática da Ira, a coisa tá muito bacana. Já tenho programado Brasília (05 a 08 de junho), São Paulo (18 a 29 de junho), Embu das Artes (02 de julho), Parati (03 a 05 de julho), Rio de Janeiro (06 a 13 de julho), Ilhéus (22 a 24 de julho). Tenho também várias ações aqui em Salvador.
Buzo: Se tornar um escritor publicado, muda o que na sua vida ?
Nelson Maca: Primeiramente traz a felicidade pela realização de um projeto que se tornou importante na minha vida. Me acostumei a efemeridade da performance, sabe! Você faz uma puta declamação e, dois minutos depois, já foi! Rsrs Hoje me considero um poeta da oralidade, acho que é o que faço melhor e diferente na literatura. Mas ter um livro é mesmo incrível! É bom ver as pessoas levando meus poemas para casa, para ler depois, a sós, calmamente, transcrever trechos, publicar na internet, etc. Caramba, isso é bom mesmo! Acho que, pela primeira vez, me vi a mim mesmo de fora, de longe. Percebi que há um escritor Nelson Maca. Eu já tinha sentido um pouco disso nas coletâneas que participei, incluindo, logicamente, o Suburbano Convicto: Pelas Periferias do Brasil. Mas ver nascer um livro só meu, com meu nome na capa, não é pouca emoção, não! Não sei dizer o que mudará na minha vida efetivamente, além dessa mudança interior, que é, também, crescimento, creio. O que já sinto, por exemplo, ou prevejo, é que, agora, tenho um cartão de visitas poderoso, pois nossa sociedade preza demais a escrita, a publicação, o livro. Espero que ele possibilite que eu e minha literatura cheguemos a mais e diversificados lugares e pessoas. Por outro lado, não poderei mais falar que frequento os eventos de livros sem ter um livro publicado. Perdeu o charme, não posso mais tirar essa onda! rsrsrs
Buzo: Você é professor de literatura na Bahia, como conciliar o trabalho acadêmico e o cultural ?
Nelson Maca: Nossa, que pergunta... rsrs Repare como você coloca bem o problema com sua pergunta: ser poeta e trabalhar com cultura pode me colocar em conflito com meu ofício de professor de literatura. Loco isso, né! Mas tenho levado bem! O fato de ser professor me dá, anualmente, além das férias (fins de junho e julho), um recesso (fins de dezembro, janeiro e parte de fevereiro). Isso me permite circular bastante fora da Bahia, por exemplo! Outra coisa: na universidade, no caso específico das aulas, podemos concentrá-las em poucos dias da semana. Logo, não é difícil conciliar o “tempo”. Salvo, principalmente em caso de viagens, quando há choque de agendas. Aí negociamos com a instituição e alunos, para fazer compensação ou reposição de aulas. Tenho levado isso tranquilamente! Estou há vinte anos na Universidade Católica de Salvador; e no coletivo Blackitude: Vozes Negras da Bahia há mais de quinze anos. Em muitos momentos, consigo atrair alunos para os eventos fora e, noutros, trazer a juventude do hip hop e afins para dentro da universidade.
Buzo: O que destaca na cena de Salvador ... entre Hip Hop e literatura ?
Nelson Maca: Com relação à literatura, há hoje vários saraus acontecendo, o que, felizmente, tem dinamizado o processo literário. Grupos de poetas estão se formando, além ter surgido jovens e promissores escritores. O Sarau da Onça, da Chácara, o Sarau do Gato Preto e o Dominicaos são alguns dos eventos bem interessantes da cena local. Diferentes na proposta e na composição dos frequentadores, porém muito vivos. Artisticamente, o hip hop baiano cresceu muito. Como em todo lugar, as posses estão sumindo e, a cada dia menos, vemos aquela preocupação coletiva e movimentação pelo social. Eu sinto bastante falta disso! Mas ainda existem... O grafite, o break e o rap por aqui cresceram assustadoramente, em número e em qualidade técnica e criatividade. É bom ver também o crescimento da cultura do Dj, embora,hoje,poucos se reconheçam com Dj de Rap, de banda! Mas estão profissionais, com bons equipamentos e se aventurando bem mais na produção musical.
Buzo: O que vem a ser a Blackitude - Vozes Negras da Bahia ?
Nelson Maca: Originalmente um coletivo de hip hop voltado para as questões e expressões da Negritude, que completa 16 anos em novembro de 2015! Chamamos o que fazemos de AFro-Hip-Hop! Desde o início, flertamos com o audiovisual (exibição de vídeos) e com a literatura, mais especificamente a poesia. Gostamos de fazer atividades artísticas juntamente com as de formação e informação. Tentamos, ainda, preservar os 4 elementos em nossos eventos. Mas fazemos outras coisas, entre as quais, as mais populares são os bailes blacks e os saraus literários.
Buzo: Você promove o Sarau Bem Black em Salvador, nos fale desse tudo desse projeto?
Nelson Maca: O Sarau Bem Black reúne negros, negras e outras pessoas libertárias, em torno da literatura, mais especificamente sua performance. Iniciou-se em setembro de 2009 e acontece até hoje. Por, aproximadamente, 4 anos e meio, aconteceu, semanalmente, no Sankofa African Bar, no Pelourinho. Com o fechamento do Bar, em 2014 migrou para as ruas do mesmo bairro. Antes acontecia toda quarta feira, porém, em 2015, acontece mensalmente, sempre na primeira quarta do mês, no Café da Walter, que fica na Biblioteca dos Barris, centro. Esta fase é provisória, pois estamos em articulação para voltar ao Pelourinho, onde melhor nos identificamos. O sarau serve como palco para trocas poéticas e simbólicas. No sarau, há exibição de filmes e fotos, lançamentos, audição de músicas e outras performances , como dança, pintura e artes plásticas. Tudo norteado pela negritude. Entendo e busco criar um ambiente de profundo aprendizado no Sarau Bem Black. O sarau é nossa universidade livre. Em alguns momentos, temos bate-papos que são profundas “trocas” de conhecimentos. Muita gente bacana já passou por lá, artistas, escritores, ativistas e intelectuais do porte de Carlos Moore, Sérgio Vaz, Conceição Evaristo, Zinho Trindade, Berimba e Jesus, Cuti, José Carlos Limeira, Michel Yakini, Raquel Almeida, Alejandro Reyes, Marcelino Freire, Mano Teko, Dexter, GOG, Marechal, Vagner Souza e mais uma porção de gente boa. Influenciados pelo Sarau Bem Black, acompanhamos a estreia de novos autores e o nascimento de novos saraus, na Bahia e no Brasil, como o Sarau da Mata (Mata Escura), da Onça (Sussuarana), Divergente ( Rio de Janeiro), Sopapo Poético (Porto Alegre), Debaixo (Aracaju), Sarauê (Brasília).
Buzo: Na literatura marginal, no cenário nacional, o que você destaca ?
Nelson Maca: Eu gosto de me referir ao conjunto de autores não canônicos como Literatura Divergente. Destaco principalmente as cenas dos saraus e a postura de independência estética e editorial. É muita invenção! Com o Encontro de Literatura Divergente que tenho realizado em parceria com meu amigo e grande escritor Berimba de Jesus, tenho encontrado e conhecido muita gente bacana. Não citarei nomes, para não parecer que estou criando uma hierarquia. Mas conheci pessoas que fazem ações poéticas em saraus inusitados, como ônibus, banheiros, muros... suportes incríveis, nos chamados livros objeto... temas polêmicos como racismo, homofobia, sexismo... que tocam editoras independentes e alternativas...
Buzo: Você conhece muitos coletivos de sarau em São Paulo, o que pode falar sobre eles ?
Nelson Maca: São Paulo foi minha principal escola de sarau! Foi em SP que essa fita de sarau me fisgou de vez. Já conhecia e até frequentava saraus, em Curitiba, em Salvador. Mas conhecer os saraus da periferia de São Paulo foi uma coisa forte. Quando visitei a Cooperifa pela primeira vez, logo me apaixonei. Vendo a potência do Sérgio Vaz e toda aquela gente maravilhosa, no bar do Zé Batidão, voltei para casa com a possibilidade e o dever moral de tocar uma ação literária libertária potente e com vínculo com a periferia. Cheguei em Salvador totalmente convicto de que deveria inaugurar um sarau. Na sequência conheci o Elo-da-Corrente, em Pirituba, no incrível Bar do Santista. Lái me senti, e me sinto, totalmente em casa. O Elo e o Sarau da Braza já apresentavam algo central nas minhas preocupações: a questão da Negritude! Outro sarau que me marcou bastante foi o Suburbano Convicto, pois me possibilitou a experiência de participar da primeira edição, ou seja, eu estava, juntamente com o GOG, na fundação, ainda no Itaim Paulista. Também me sinto muito feliz de ter me batido com as publicações, ações e eventos do Berimba e das Edições Maloqueirista. Não consegui conhecer o Sarau do Binho original, no Bar do Binho. Minha grande Frustração! Quero muito visitá-lo agora e, igualmente, tomar contato direto co alguns saraus dos quais tenho tido ótimas notícias: Saraus da Kambinda, Codinome Liberdade, do Fórum, Perifatividade, O que Dizem os Umbigos, da Madrugada e, urgentemente, fazer alguma poesia no Quilombaque! Quero muito ir ao Quilombaque! Acho que esqueci vários. Perdão, pessoal!
Pra finalizar, um BATE BOLA ........
Um sonho realizado?
Nelson Maca: Virar baiano e morar em Salvador.
Um sonho a realizar?
Nelson Maca: Ter um espaço cultural da Blackitude.
Um time?
Nelson Maca: Corinthians
Um livro?
Nelson Maca: Atabaques, de José Carlos Limeira e Èle Semog
Um escritor?
Nelson Maca: O poeta baiano José Carlos Limeira.
Um filme?
Nelson Maca: Faça a coisa certa, de Spike Lee
Um ator?
Nelson Maca: Lázaro Ramos.
Uma referência?
Nelson Maca: GOG, o poeta do Rap.
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Lindo demais!
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