Por: Alessandro Buzo
A terceira história de meus 10 anos de carreira, é sobre a fase mais difícil que passei, quando cheguei a pensar em desistir e continuar a somente trabalhar, como meu pai, como meus visinhos, como meus amigos.
Lancei o livro em 2000, mas depois nada mudou.
Mas, peguei gosto pelo oficio e comecei rabiscar num caderno, meu segundo livro "Suburbano Convicto - O Cotidiano do Itaim Paulista".
O dia a dia era trem lotado, vender alimento e ganhar pouco por isso.
As vezes a venda de um livro salvava, virava feira, mercado, enfim........comida.
2001 foi osso, cheio de dividas e quanto mais trabalhava, mais duro parecia estar.
Teve mesês de eu e a Marilda (minha esposa), deixar quase de comer, para não faltar o rango do nosso filho.
Revolta de estar nessa situação mesmo trabalhando, as vezes parecia não valer a pena ser honesto.
Passei muita nescessidade e poucos podiam ajudar, meus amigos tão duro quanto, crédito não tinha, nome sujo na praça.
Quanto a minha carreira, só não tinha acabado, porque quando pensava que já era, surgia uma entrevista, surgia uma venda de um livro, um comentário de alguém que leu e gostou.
2002 meu segundo livro ficou pronto, finalizei a escrita e achava que a repercussão do primeiro ajudaria a achar uma editora pro segundo, mas não, continuou igual.
Troquei de emprego, fiquei uns mesês desempregado e quase passamos fome, literalmente.
Me sentia as vezes um inútil.
Passei a trabalhar numa empresa chamada Realli, um lixo, não pagava salário e nem condução, era só comissão sobre as vendas e um almoço feito na firma. Ilusão, vender bacalhau e mal ter dinheiro pra comer em casa.
2002, 2003, tempos difíceis.
Mas, não tinha outro jeito, era seguir procurando um trampo melhor e vender o que dava naquela importadora de merda quase falindo, como não tenho vocação para Titanic, corri antes do barco afundar e ele afundou mesês depois.
Na porta da estação do Brás, um fiado pra tomar uma antes de encarar o cara de lata lotado.
Cultualmente falando estava parado, não via onde lançar meu segundo livro, o primeiro acabando e só não era o fim, porque sempre aparecia uma atividade, uma palestra, uma entrevista. Ia mesmo sem cachê, acreditando em dias melhores, porque pior era difícil ficar.
Algumas coisas trouxeram alegria nessa época de vacas magras, lembro bem de duas.
Uma foi estar entre os autores da Caros Amigos/Literatura Marginal, que ganhou o prêmio de melhor projeto literário da APCA (Ass. Paulista dos Criticos de Arte), achei isso importante, era de fato.
Aqui e ali, pipocava alguma repercussão do meu trabalho literário, mas livro novo nada.
Outra alegria, foi um dia que o telefone tocou, estava prestes a ser cortado, era o Helião do RZO, queria que eu fosse em Pirituba para uma sessão de fotos, para o encarte do novo CD deles "Evolução é Uma Coisa", eu fui.
Um dia loko, estava toda familia RZO, Helião, Sandrão, DJ Cia, Negroútil (que faleceu ano passado), Negra Li, DBS, Nego Vando, Calado, Dina Di, só faltou mesmo o Sabotage que não pode ir no dia.
Foram várias fotos, quem fez a sessão foi o Marques Rebelo e o Alexandre de Maio (que hoje faz o Boletim do Kaos comigo), na época eram da Rap Brasil.
Depois que saiu o CD, eu estava na foto central do encarte, isso me deixou muito feliz, lembro um dia que voltava do trampo e passei por uns caras queimando um baseado, no Itaim Paulista, rua onde hoje é minha loja, assim que eu passei ouvi: - Aquele cara ta no CD do RZO ?
- Ta nada.
- Tô falando, tenho o CD lá em casa. Disse o primeiro.
Hoje é comum pessoas me reconhecerem, ainda mais depois do quadro do "Buzão" na TV Cultura, mas naquele tempo era novidade.
Essas coisas iam me mantendo vivo, culturalmente falando.
Então venho o CD dos Racionais Mc´s, o ultimo até hoje........Nada Como Um Dia Após o Outro Dia.
Comprei um original, não queria um pirata, não dos Racionais, queria ver o encarte e tal.
Quando coloquei a primeiro faixa do albúm 1 (era duplo), aquelas palavras mexeram comigo, me despertou do pessimismo, dizia mais ou menos assim: - Vamo acorda, vamo acorda, você não pediu, uma oportunidade, como Deus é bom né não nego, mais um dia....todo seu, vamo acorda, vamo acorda !!!
Acordei. Como podia numa cidade como São Paulo, um cara inteligente como eu, ficar nessa merda de vida. Corri atrás de melhora.
Tinha saido do meu ramo de trabalho, estava vendendo assinatura do Jornal "O Estado de São paulo", me sentia um lixo, mas um amigo, o Alessandro Disney, me levou pra Logiodice, na Rua da Cantareira, eu voltei a ter um atacadista com estoque para atender meus clientes e ganhar um pouco melhor, as coisas foram melhorando, aos poucos, 2003 foi melhor que 2001 e 2002, esses dois anos foram a provação, se não fosse esposa e filho, teria desandado, ou nas drogas ou no crime.
Lembro uma ajuda financeira que o amigo Guilherme Azevedo me deu (ou emprestou), foi duzentos reais que no dia que ele me deu, salvou geral a pátria, estava entregando os pontos.
Mas as coisas estavam entrando nos eixos, na Logiodice eu passei a ganhar melhor e fui pagando minhas dividas, já não estava tão fodido.
Ai surgiu o Tomas, um alemão que era agente da escritora Claudia Canto e ele me apresentou a Edicon, uma pequena editora.
A proposta era simples, nós faziamos mil capas do meu livro novo e só rodavamos 100 exemplares do miolo, eu vendia e fazia mais, já teriamos as capas prontas, eu continuava sem grana viva, mas paguei parte da tiragem em alimento que o Seu Pedro, dono da Logiodice me deixou pagar em parcelas. Troquei comida por livro e lancei meu segundo livro em 2004, 4 anos depois eu estava de volta, eu tinha de novo o gostinho de lançar um livro e sonhar.
Não parei mais, fiz o Blog Suburbano Convicto, com ajuda do Douglas Kim, surgiu umas matérias na mídia, e as coisas forama acontecendo.
Dai em diante, passou a progredir.
Fiz o primeiro evento "Favela Toma Conta", depois o segundo um mês depois.
Quem comprava o segundo livro queria o primeiro e em 2005 eu reescrevi ele, 5 anos depois o trem continuava ruim e lancei meu terceiro livro, de novo na Edicon, pagando em alimento. Surgiu "O Trem - Contestando a Versão Oficial", ai comecei a escrever o "Guerreira", não parei mais de fazer evento, mesmo eles não dando dinheiro, dava uma grande repercussão e fui escrevendo minha história, entre o Hip Hop e a Literatura Marginal.
Tudo que sou e o que conquistei, agradeço a Deus e minha família, esses não me deixaram mesmo quando o mundo parecia ter se esquecido de mim.
- Agora ta de olho no dinheiro que eu ganho..........onde vocês estavam na época dos barracos de pau lá na pedreira, o que vocês fizeram por mim, o que vocês deram pra mim. De vergonha eu não morri, tô aqui.
Por isso os Racionais são tão importantes pra mim, a poesia dos caras me inspirou e passei a ter como lema de vida o titulo daquele CD "Nada Como Um Dia Após o Outro Dia", hoje são tantas coisas ao mesmo tempo, TV, cinema, literatura, viagens, palestras, que meu lema mudou, agora é "Nóis Capota Mais Num Breka"
Por isso dou rizada quando uns e outros pensam que foi fácil, que caiu do céu, que de repente eu vim de uma classe média da periferia. Só quem acompanhou o corre, quem pegou dia após dia o trem lotado comigo, até as coisas melhorarem é que sabe que eu comi o pão que o diabo amassou, mas sobrevivi e estou aqui pra contar a história.
10 anos de carreira não é pra qualquer um, porque muitos infelismente param pelo caminho.
domingo, 17 de janeiro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Salve Buzo...tenho acompanhado sua história...um complemento do seu livro Favela Toma Conta...provando a todos que se quisermos e se lutarmos conseguimos construir uma História bonita...cheia de conquistas...contrariando o sistema...parabéns tiu...e tamo junto hoje sempre...aqui mais um Suburbano Convicto do litoral...nóis que tah.
ResponderExcluirTubarão
Puta que pariu ], todo mundo olha de cara feia pra cerveja que se toma, mas ninguém te oferece uma mão quando tu precisa. É desse jeito, zé povinhagem é foda. E quem não tiver como ajudar o Haiti, pelo menos o mano necessitado da sua rua, já ajuda. Abraços.
ResponderExcluir